Voltando a ver


Voltando a ver

           Na década de 1950 os primos do ramo materno da família leia-se:- moradores de Palmeira, Guarapuava e Ponta Grossa de origem polaca, 
vinham à capital do Estado para passear e visitavam a gente se hospedando em nossa casa.
 A minha avó Verônica tinha 11 irmãos, criados na colônia Santa Barbara no interior de Palmeira. Foram casando e mudando para fazer suas vidas em outros municípios mas ainda em tempos de cartas , selos , correio e carteiros... a comunicação interna à família era intensa o suficiente para atualizarem suas histórias, fazerem seus planos e caminhos no mundo. Quase todas as mulheres de segunda geração tornaram-se professoras .Umas poucas , costureiras. Na verdade , dentro do ambiente doméstico tudo era exercitado em bordados, tricots, crochês, costuras, pinturas e arranjos de interiores que já vinham pelas migrações da Polônia, ritualmente investidas de temas florais e religiosos, coloridos e alegres mobiliários , confortáveis sistemas de colchões de palha aos pequenos  ou crina para os adultos... 
Com penas de ganso nas cobertas  e em travesseiros assim
 macios e cálidos; também se valiam de lã de carneiro desfiada recheando grandes cobertores para tempos de muito frio.
Toalhas individuais, eram de costume,  uma para as mãos e outra para banho. Com bordados de iniciais, barras de crochet ou rendas ou sinhaninhas ...em geral , dependuradas nós cabides feitos pelos carpinteiros da família.
Armários com grandes potes de vidro guardavam frutas cristalizadas pelas mães , de cujas árvores eram plantadoras e vigias. Figos e pera tentadores , cheios de açúcar cristal faziam os olhos corromperem o coração e surrupiar de um em um clandestinamente era aventura das maiores. Pães feitos em casa, banha e alho .... café quente do fogão à lenha no bule de ágata!
Água do poço , fresca, numa caneca de alumínio feita em casa pelo latoeiro da família...
Sempre por perto da casa , um limoeiro carregado . Indiscutíveis farturas de proteção e imunidades 
na rotina de vida de todo mundo.
Assim se organizava a sobrevivência em suas bastantes ocupações em casa. 
Quando os parentes eram esperados  todas as gulodices doces e salgadas eram arrumadas numa mesa imensa na cozinha com o calor do fogão por perto, de onde o café estava sendo coado e seu perfume "matando" todo mundo de vertigem!
Quantas horas eram investidas nessas ... recepções!? 
E com que prazer !?
Alvoroço... ponha frisson nisso!
Às trocas das mulheres em suas esmeradas habilidades manuais, algumas leituras de livros, revistas e notícias de programação radiofônica... transmitida por aparelhos cheios de chiados, ainda à válvulas (!), das estações do Rio de Janeiro, de São Paulo ou do Rio Grande do Sul.
Assuntos para muitos dias que eram concentrados em um final de semana pois em seguida todos tinham que voltar às suas cidades e continuar com suas histórias.
Claro que iam e vinham - de cá e de lá - algumas cartas comentando a viagem de volta e, as emoções que ainda borbulhavam, traduziam a imensa gratificação desses encontros de parentes.
Trinta, quarenta... não, mais ...talvez uns bons sessenta anos durante os quais nunca mais tinha ouvido falarem essa palavra...:- " parentes"!
Precisei estar assistindo numa rede social , as falas de um artista indígena da Serra da Terra do Sol, do norte do Brasil, de Roraima, que assim se refere aos de sua tribo mas também aos das outras-: "nossos parentes"! Esse artista traduz as cosmologias de suas origens e tradições em indecifráveis obras ... em que todos os elementos da paisagem ... ( expressão reducionista) como os rios , árvores, variadas espécies de animais e plantas , cores e linhas ... entram o olhar e a alma e ficam aqui remexendo... pois para eles ...tudo é parente.
A gente que nem viu todo o povo da família que nos visitava , partir de doença ou velhice ... se pega sentida e enlutada por uma artesã makuxi, parente desse referido artista, despedir-se de todos
 repentinamente , acometida do pandemico corona vírus e como a tantos mais de tantas tribos distantes embora... virem à morte , alcançados pela infecciosa contaminação. Aqui na capital paranaense , em final do ano passado, o Museu de Arte Contemporânea da UFPR, sediou a exposição denominada :
..." Nascimento de Makunaima"
momento histórico das artes no Brasil, em que pudemos privar dessa presença desses parentes vivos das florestas por eles preservadas .
Densidade de lições , lutas e exemplos da força da cultura no movimento da vida.
Jaider Esbell e Beraldina estavam aqui na Universidade , da praça Santos Andrade em novembro de 2019 quando mais uns meses nesse
arrasador 2020, ela se foi... Beraldina se encantou em outras dimensões, ficou conosco sua voz em canto, sua dança xamânica e santa, a sua história começou a ser contada.



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